O Espírito Santo e a Experiência de Santificação

Introdução

A vida cristã é vida no Espírito Santo. Este é o ponto de partida de todo o que se converte à Cristo. Desde o convencimento da condição pecadora e da reconciliação feita por Jesus com sua morte na cruz, no reconhecimento de sua soberania e na certeza da nova natureza recebida, a ação do Espírito Santo é imprescindível. Tudo o que temos e somos como cristãos, devemos a ele. Desse modo, todo cristão tem uma experiência com o Espírito Santo desde os primeiros momentos de sua jornada, que começa com o novo nascimento, o nascimento “no Espírito” (Jo 3:3-8), o Espírito que dá vida às almas redimidas, fazendo nelas habitação permanente. Todos os que tem o Espírito de Deus, são filhos de Deus e quando clamamos Aba, Pai, “o próprio Espírito testifica em nosso espírito que somos filhos de Deus”. (Rm 8:15,16). ”E, porque vocês são filhos, Deus enviou o Espírito de seu Filho ao coração de vocês, ele clama: Aba, Pai.” (Gl 4:6). Portanto, ninguém pode ter a Cristo sem ter o Espírito Santo.

Tendo feito morada em nós, o Espírito inaugura um processo de transformação que perdurará toda nossa jornada terrena. Seu ministério implica tanto em revelar Cristo como formá-lo em nós de maneira que cresçamos firmemente em nosso conhecimento de Cristo e em nossa semelhança com ele. É ele quem nos equipa para vencermos as antigas paixões, o pecado que nos acedia, e nos abastece de dons para servirmos ao corpo de Cristo, que é a igreja. É ele quem nos dá discernimento das coisas espirituais, quem nos dá a direção do Pai, a revelação de Cristo, e sua atuação perdurará toda nossa vida cristã. Somos dependentes de sua obra.

Cabe a nós vivermos essa vida de forma plena, enchendo-nos a cada dia da experiência do seu conhecimento e, assim cheios, nos tornarmos testemunhas poderosas de Cristo. E se queremos ter integridade espiritual, precisamos andar no Espírito: “Por isso digo: vivam pelo Espírito, e de modo nenhum satisfarão os desejos da carne.” (Gl 5:16). “Tenham cuidado com a maneira como vocês vivem; que não seja como insensatos, mas como sábios”. (Ef 5:15). Isso envolve decisão, momento após momento, dia após dia, de andar em intimidade com Deus, de buscá-lo em primeiro lugar e de seguí-lo de todo coração: “Busquem, pois, em primeiro lugar o Reino de Deus e a sua justiça, e todas essas coisas lhes serão acrescentadas.” (Mt 6:33). “Jesus dizia a todos: se alguém quiser acompanhar-me, negue-se a si mesmo, tome diariamente a sua cruz e siga-me.” (Lc 9:23).


A ação do Espírito Santo no processo de santificação

Deus é Santo e quer que seus filhos o sejam também – “A vontade de Deus é que vocês sejam santificados...” (I Ts 4:3). Santidade é uma característica fundamental de Deus; um atributo seu. Atributo que inclui outros como, bondade, verdade e justiça. Santificação é o processo que leva o cristão a ser transformado, diária e gradativamente, numa pessoa identificada com a natureza santa de Deus. Esse processo de santificação se inicia no novo nascimento e prossegue durante toda a vida do cristão, até quando ele receber um corpo glorificado e semelhante ao de Cristo. “Pois eu sou o Senhor, o Deus de vocês; consagrem-se e sejam santos, porque eu sou santo.” (Lv 11:44a). “Mas, assim como é santo aquele que os chamou, sejam santos vocês também em tudo que fizerem.” (I Pe 1:15).

O conceito bíblico de santidade, tem o sentido de “ser separado” para Deus. Separado do mundo para glorificar a Deus com sua vida, para testemunhar a graça e a salvação de Deus, para proclamar a esperança no Redentor. Nesse processo o Espírito Santo atua habilitando o cristão a enfrentar as forças do mal e o domínio do pecado, e é nessa vivência prática que ele desenvolve seu caráter, conforme o caráter de Cristo. É o testemunho vivo do novo nascimento que se processou interiormente no cristão, e que se reflete exteriormente em seu comportamento e maneira de viver, como nova criatura, pelo poder do Espírito Santo e da Palavra de Deus.

Essa transformação externa surge a partir da transformação interior, realizada pelo Espírito Santo. “Em resposta, Jesus declarou: Digo-lhe a verdade. Ninguém pode ver o Reino de Deus, se não nascer de novo.” (Jo 3:3). “Esta é a mensagem que dele ouvimos e transmitimos a vocês: Deus é luz; nele não há treva alguma. Se afirmarmos que temos comunhão com ele, mas andamos nas trevas, mentimos e não praticamos a verdade. Se, porém, andarmos na luz, como ele está na luz, temos comunhão uns com os outros e o sangue de Jesus nos purifica de todo pecado.” (I Jo 1:5-7).

Este é o aspecto da salvação do domínio do pecado. Assim, é manifesta a diferença entre o verdadeiro e o falso cristão; entre o “nominal-teórico” e o “verdadeiro-prático”, pois, como disse Jesus: “por seus frutos os conhecereis” (Mt 7:15-27). Isto fica evidenciado nos atos praticados diariamente, se somos ou não luz e sal da terra diante do mundo, através do nosso testemunho, daquilo que já somos de fato e em verdade, em Cristo Jesus. (Mt 5:13-16; Jo 8:12; II Co.3:18; 5:17; I Jo 2:15-17).

A santificação, diante de Deus, é o resultado da obra salvadora de Cristo, que nos comprou e nos separou para si mesmo como Sua propriedade exclusiva e povo santo, tirando-nos para fora do sistema mundano e nos transportando para o "reino do Filho do seu amor" (Cl 1:13). O Espírito Santo de Deus é quem opera em nós, progressivamente, a transformação à semelhança de Jesus Cristo, refletindo como luz num espelho, a imagem do Seu caráter santo em nossas vidas. A conseqüência natural dessa entrega total ao poder do Espírito Santo é a libertação do domínio do pecado na vida diária. “Mas agora que vocês foram libertados do pecado e se tornaram escravos de Deus, o fruto que colhem leva à santidade, e o seu fim é a vida eterna.” (Rm 6:14-18, 22).

A vontade de Deus é que se produza em nós, através da santificação diária, a imagem santa de Seu Filho, como embaixadores do seu reino santo. “... ponham em ação a salvação de vocês com temor e tremor, pois é Deus quem efetua em vocês tanto o querer quanto o realizar, de acordo com a boa vontade dele... para que venham a tornar-se puros e irrepreensíveis, filhos de Deus inculpáveis no meio de uma geração corrompida e depravada, na qual vocês brilham como estrelas no universo, retendo firmemente a palavra da vida.” (Fl 2:12-16).

Nossa comunhão com o Pai através do Espírito Santo

O maior exemplo de comunhão com Deus que encontramos nas Escrituras é do próprio Jesus. Todo Seu ministério terreno foi marcado por momentos nos quais Ele se retirava para orar e Se relacionar com o Pai. “Durante seus dias de vida na terra, Jesus ofereceu orações e súplicas, em alta voz e com lágrimas, àquele que o podia salvar da morte, sendo ouvido por causa da sua reverente submissão.” (Hb 5:7). “Mas Jesus retirava-se para lugares solitários, e orava.” (Lc 5:16).

Assim como Jesus, os crentes também devem buscar uma vida plena com Deus, e isso se dá através dessa comunhão constante e incansável. Esse relacionar inspira troca na qual as duas partes interagem. Toda história bíblica nos mostra que Deus busca um relacionamento de proximidade com o homem. Desde o Éden e a queda pelo pecado, Deus iniciou um plano de resgate que culminou com o envio do Messias, o agente da reconciliação. “Ora, tudo provém de Deus, que nos reconciliou consigo mesmo por meio de Cristo e nos deu o ministério da reconciliação, a saber, que Deus estava em Cristo reconciliando consigo o mundo, não imputando aos homens as suas transgressões, e nos confiou a palavra da reconciliação.” (II Co 5:18,19). Em Cristo, fomos reabilitados à comunhão pela ação do Espírito. “O próprio Espírito testifica em nosso espírito que somos filhos de Deus.” (Rm 8:16).

O vocábulo grego traduzido por “reconciliação” significa “uma completa mudança”. O homem é modificado e a separação entre ele e Deus é completamente eliminada. A reconciliação reconduz o homem a Deus, para ser recebido por Sua bondade e graça, o que o capacita a receber os benefícios da redenção que há em Cristo. A reconciliação antecipa o completo perdão do pecado e a participação na santidade, amor, justiça e bondade de Deus.

A comunhão com o Espírito Santo nos leva à adoração

No Salmo 73 o autor faz um questionamento que em algum momento de nossas vidas também o fazemos: porque os ímpios prosperam em seus caminhos? Como pode um Deus Todo-poderoso ser bom e, contudo, permitir a prosperidade dos ímpios enquanto os justos ficam sem recompensa? Os ímpios, insolentes, blasfemam de Deus, gozam de saúde e aparente isenção de problemas. Que valor tem, então, a virtude? Até que o salmista “entrou na presença de Deus” e compreendeu o destino dos ímpios. A vida deve ser examinada à luz da eternidade e o resultado do pecado é o afastamento perpétuo de Deus. Aos justos, a comunhão eterna. Por isso, ele finaliza o Salmo com o coração quebrantado, reconhecendo que “bom é estar junto a Deus; no Senhor Deus ponho o meu refúgio, para proclamar todos os seus feitos.”

Foi através da comunhão com o Espírito que ele entendeu o propósito de Deus, percebeu uma nova perspectiva e, assim, foi levado à adoração. Segundo William Temple, “adoração é a submissão de toda nossa natureza a Deus. É a aceleração da consciência por meio de Sua santidade; alimentação da mente com Sua verdade; a purificação da imaginação por meio de Sua beleza; a abertura do coração ao Seu amor; a entrega da vontade ao Seu propósito – tudo isso reunido em adoração, a emoção mais abnegada que nossa natureza é capaz de ter e, portanto, o principal remédio para o egoísmo o qual é o nosso pecado original e a fonte do nosso pecado presente”.

Quando nos conectamos com Deus, pelo Seu Espírito, em adoração sincera, percebemos que essa vida não é nossa. É do Senhor. A adoração nos leva à Sua presença, onde há plenitude de alegrias e prazeres: “Tu me farás conhecer a vereda da vida, a alegria plena da Tua presença, eterno prazer à Tua direita.” (Sl 16:11). Adoração faz com que tiremos nossos olhos de nós mesmos e nos concentremos e meditemos nEle. Por isso, precisamos gastar tempo adorando a Deus não apenas nas celebrações comunitárias, mas nos momentos a sós com Ele. Quando nós adoramos saímos transformados. Quando derramamos nosso coração diante dEle e mergulhamos nossas emoções em profunda adoração, Ele limpa nossas almas, somos curados e cheios de alegria.

No Salmo 25, Davi nos dá uma lição de humildade e de busca a Deus: “Mostra-me, Senhor, os teus caminhos, ensina-me as tuas veredas; guia-me com a tua verdade e ensina-me, pois tu és Deus, meu Salvador, e a minha esperança está em ti o tempo todo.” (vs. 4, 5). E ele mesmo apresenta a resposta de Deus a essa busca: “O Senhor confia os seus segredos aos que o temem, e os leva a conhecer a sua aliança.” (vs. 14). Isso nos mostra a relação de proximidade e intimidade que Deus quer ter conosco. Como um Deus tão grande, puro e santo pode se relacionar com pecadores, como nós? O sangue de Jesus nos habilita a isso. Basta que haja um coração quebrantado, o reconhecimento de quem somos e de que não somos merecedores de tamanha honra, para sermos levados à adoração, pelo que Ele é.

É comum ouvirmos a expressão “adoração é um estilo de vida”. De fato, isso tem sentido bíblico, pois não basta adorarmos a Deus no “santuário” de nossas igrejas. A verdadeira adoração vai além das fronteiras das paredes da comunidade, e se estende pela nossa vida no nosso viver diário. Significa viver uma vida de amor a Deus. Jesus disse que o mandamento mais importante é: “Ame o Senhor, o seu Deus, de todo o coração, de toda a sua alma, de todo o seu entendimento e de todas as suas forças. O segundo é este: Ame o seu próximo como a si mesmo. Não existe mandamento maior do que estes.” (Mc 12:30).

É preciso decidir com o coração e a mente a buscar, em primeiro lugar o Reino de Deus e obedecer a Seu Espírito, quando Ele nos chama para um conhecimento maior e mais profundo dEle mesmo. Amor, adoração, obediência, sinceridade, integridade, honestidade e verdade, caminham juntos. “Ensina-me o teu caminho, Senhor, para que eu ande na tua verdade; dá-me um coração inteiramente fiel, para que eu tema o teu nome. De todo o meu coração te louvarei, Senhor, meu Deus; glorificarei teu nome para sempre.” (Sl 86:11,12). Esta oração de Davi revela-nos seu desejo de buscar e servir ao Senhor integralmente. Assim deve ser, conosco.

A comunhão com o Espírito nos leva à maturidade espiritual

Uma das mais belas narrativas bíblicas quanto a ser santo – separado para Deus – e, não se deixar contaminar pelas coisas do mundo e o pecado, é a história de Daniel e seus amigos Hananias (Sadraque), Misael (Mesaque) e Azarias (Abde-Nego), que deram testemunho fiel ao Senhor, não ingerindo a comida do rei. Depois, deram testemunho ainda maior quando não se dobraram diante da imagem de ouro que o rei Nabucodonosor mandara erguer. Mesmo frente à condenação à morte pela fornalha de fogo, creram que o Senhor os poderia livrar e, se não o fizesse, mesmo assim, não se dobrariam diante de outros deuses. Eles foram lançados na fornalha aquecida sete vezes mais que de costume, mas nada sofreram porque o Senhor era com eles. Após chamá-los para fora, Nabucodonosor disse: “Louvado seja o Deus de Sadraque, Mesaque e Abede-Nego que enviou o seu anjo e livrou os seus servos! Eles confiaram nele, desafiaram a ordem do rei, preferindo abrir mão de sua vida a prestar culto e adorar a outro deus que não fosse o seu próprio Deus.” (Dn 3:28). Essa fidelidade e fé incondicional só são alcançadas pela vivência diária na presença de Deus, em comunhão com Seu Espírito e nas muitas experiências acumuladas através desse relacionamento.

Segundo John Dagg, no livro Manual de Teologia, “em nossas ações naturais vivemos e nos movemos em Deus; em nossas ações espirituais, vivemos e andamos no Espírito Santo.” A nossa vida e o nosso mover espiritual provém do Espírito Santo: “O Espírito dá vida...” (Jo 6:63a). Paulo em sua carta aos Romanos, diz: “...porque por meio de Cristo Jesus a lei do Espírito de vida me libertou da lei do pecado e da morte.” (Rm 8:2). As almas mortas em delitos e pecados são vivificadas pelo Espírito Santo: “...se pelo Espírito fizerem morrer os atos do corpo, viverão.” (Rm 8:13). O Espírito Santo é o autor da santidade, o autor da nova vida, de seu desenvolvimento e transformação para vivermos na presença e plenitude de Deus.

A nova vida implantada pelo Espírito no momento do novo nascimento, leva tempo para produzir um caráter cristão maduro. E um caráter é o produto de uma vida inteira de busca, de lutas, de quebrantamento, de entrega. Se compreendermos que essa ação é gradual, seremos mais ativos em colaborar com o Espírito no sentido de participarmos de Sua santidade, de forma a mudarmos nossos velhos hábitos e práticas, assumindo a cada dia a devoção a Deus e os frutos cresçam e amadureçam em nós.

Paulo nos diz: “...até que todos alcancemos a unidade da fé e do conhecimento do Filho de Deus, e cheguemos à maturidade, atingindo a medida da plenitude de Cristo.” (Ef 4:13). A semelhança de Cristo requer de nós humildade para reconhecer que nós não podemos produzir esses frutos por nós mesmos, e fé para crermos que Deus é quem faz os frutos amadurecerem em nós, através de Seu Espírito. Por isso, Jesus disse: “Permaneçam em mim e eu permanecerei em vocês. Nenhum ramo pode dar fruto por si mesmo, se não permanecer na videira. Vocês também não podem dar fruto, se não permanecerem em mim.” (Jo 15:4). A semelhança com Cristo vem como resultado de nossa comunhão com Ele e de amadurecimento gradual, que requer de nós depositarmos Nele nossa confiança, como uma criança confia no pai, vivenciando as muitas experiências que provamos ao longo de nossa jornada, trabalho árduo no sentido de nos esforçarmos para vencer, primeiro, a nós mesmos e aos apelos de nossa carne, até que, afinal, venha o dia da colheita de um caráter cristão maduro nesta vida, e a semelhança completa com Cristo na glória.

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Bibliografia

• McGrath, Alister E – Teologia Sistemática, Histórica e Filosófica – Uma Introdução à Teologia Cristã - Shedd Publicações
• Tillich, Paul – Teologia Sistemática – Editoras Paulinas/Editora Sinodal
• Dagg, John L. – Manual de Teologia – Editora Fiel
• Dumas, Andre; Bosc, Jean; Carrez, Maurice – Novas Fornteiras da Teologia – Teólogos Protestantes Contemporâneos – Duas Cidades
• Stott, John R. W. – Batismo e Plenitude do Espírito Santo – Edições Vida Nova
• Peterson, Eugene H. – A Maldição do Cristo Genérico – A Banalização de Jesus na Espiritualidade Atual – Editora Mundo Cristão
• Zschech, Darlene – Adoração Extravagante – Editora Atos
• Bíblia – Nova Versão Internacional – Editora Vida
• Bíblia Shedd – Edição Revista e Atualizada no Brasil - Editora Vida Nova
• Bíblia de Esudo Scofield – Edição Almeida Corrigida Fiel – Holy Bible
• Bíblia de Referência Thompson – Edição Contemporânea – Editora Vida